TRATADO DA ARGUMENTAÇÃO: A NOVA RETÓRICA.




DOUGLAS BORGES CANDIDO


TÍTULO:

A retomada da retórica aristotélica por Chaïm Perelman e a sua reformulação na obra TRATADO DA ARGUMENTAÇÃO: A NOVA RETÓRICA.


RESUMO:

A pesquisa visa descobrir como se dá a argumentação do orador para com o auditório e como Perelman trabalha com a questão da verossimilhança na linguagem utilizada do orador para com auditório. O autor trabalha com essa questão, a da argumentação, porque pertence da classe dos juristas e a argumentação está muito presente nos tribunais, nos julgamentos, enfim, na profissão dos advogados e juízes. Também a questão da relação do orador com o auditório é muito relevante, pois se o orador quiser convencer ou persuadir terá que estar interligado com o seu auditório no decorrer de sua argumentação. No entanto, far-se-á necessário que volte no tempo clássico e se resgate o pensamento de Aristóteles que já retratava a questão da argumentação, cuja era determinada pelo nome dialética e que também tratava da questão da verossimilhança e da relação orador-auditório na argumentação.


INTRODUÇÃO AO TEMA:

            No período da filosofia clássica existiram vários filósofos que deixaram um grande legado intelectual, como Sócrates, Platão, Aristóteles e outros, mas os mais importantes foram estes. A existência de Sócrates é muito discutida, pois ele não deixou nada de registrados em escritos e a única coisa que se sabe é porque segundo Platão ele foi o maior filósofo da época. No entanto todos estes filósofos deixaram grandes legados intelectuais para os filósofos posteriores. Aristóteles foi um desses grandes pensadores que se destacaram na forma de pensar e em seus raciocínios.
Todos estes três filósofos, os comentados anteriormente, utilizaram da retórica e da dialética em seus discursos, porém o único que conseguiu sistematizar esta forma de pensamento foi Aristóteles. Ele dedicou-se em estruturar o pensamento para torná-lo em um mecanismo lógico. Ele também criou o silogismo ou o chamado método analítico ou também silogismo científico, que é composto por duas premissas (uma “maior” e outra “menor”) e uma conclusão. Exemplo:
            - Todo homem é mortal (Premissa Maior).
            - Douglas é homem (Premissa Menor).
Logo: - Douglas é mortal (Conclusão).
            Este é o método dedutivo que Aristóteles criou. O método dedutivo sempre irá de uma proposição universal para uma particular. Mas existe também o método indutivo e esse parte de proposições particulares para proposições universais. Normalmente a proposição particular inicial de um método indutivo vem de experiências particulares para depois se estabelecerem como universais. Exemplo de um método indutivo:
            - Avestruz e galinha não voam (Premissa Menor).
            - Avestruz e galinha são aves (Premissa Maior).
Logo: - Aves não voam (Conclusão).
            Além de desenvolver esses métodos, Aristóteles também desenvolveu a retórica e a dialética e importando mais interesse na dialética do que na retórica ou nos próprios silogismos.
            A retórica é fundada sobre a dialética e conseqüentemente veio ser criada após a dialética. Aristóteles dedicou oito livros dos “TÓPICOS” e o livro “REFUTAÇÕES SOFÍSTICAS”, à dialética.
            A origem da palavra dialética vem da palavra grega dialektikê, formada do prefixo “dia” e de “logos”, de onde dialogê, discussão, e o verbo dialegeyn, que significa terçar palavras ou razões, conversar, discutir, como também o adjetivo dialektikôs o que é concernente â discussão por meio do diálogo. Conseqüentemente, dialektikê (dialética) seria a arte da discussão. A dialética considerada em seu sentido eminente possui por verdadeira finalidade a arte de esclarecer.
            A retórica para o pensador grego tinha por base a argumentação, porém está se dava mais como um discurso do que a própria discussão. No período em que Aristóteles desenvolveu a retórica, ela era usada no discurso feito para os guerreiros que morriam em combate nos campos em períodos de guerra para defender a polis. Poderíamos caracterizar a retórica como uma oração feita aos guerreiros. Para isso, uma pessoa era encarregada de fazer. A retórica pode ser entendida como um costume fúnebre dos gregos, traduzido na pessoa do retórico. Porém não se deve deixar de lado que Aristóteles afirmou que a retórica também é uma arte da persuasão, no entanto menos desenvolvida que a dialética.
            Para Aristóteles a dialética é a utilização dos termos, prováveis ou verossímeis, que visa convencer muito fracamente, porém sem mentiras; Aristóteles vai criticar e combater a sofística, porque está toma sua forma de pensamento sobre retórica e dialética e utiliza-se desses meios para enganar o povo com discursos mentirosos e vazios. Como comentamos que a retórica foi fundada sobre a dialética, quando se fala da retórica fala-se também de dialética, pois uma é dependente da outra.
            Com essa introdução podemos perceber com base nos termos, retórica e dialética, de Aristóteles o que Perelman propõe em sua obra TRATADO DA ARGUMENTAÇÃO: A NOVA RETÓRICA. Perelman utiliza dos termos retórica, persuasão, verossimilhança, etc. Termos estes que Aristóteles já utilizava em seus escritos.
            Como podemos perceber, esses termos foram deixados de lado por muitos filósofos posteriores com o passar dos tempos até que em 1934, aproximadamente, o jurifilósofo Chaïm Perelman retoma esses pensamentos aristotélicos e escreve sua obra, a citada anteriormente.
            Para Perelman, deve existir uma forte relação entre orador e auditório no sentido argumentativo, pois para que haja comunicação e uma argumentação efetiva se faz necessário que exista uma comunidade dos espíritos. Quando o autor trabalha com o termo comunidade dos espíritos ele refere-se ao auditório. O orador deve levar em conta o meio social que o seu auditório se encontra e deve levar em conta esse ponto, pois sem o qual a argumentação ficaria sem objeto e sem efeito.
            A formação de uma comunidade efetiva dos espíritos exige algumas condições, como por exemplo: o mínimo indispensável à argumentação parece ser a existência de uma linguagem em comum entre orador e auditório, ou seja, o orador tem que se fazer entender pelo auditório. “Com efeito, para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental” (PERELMAN, 2002, p.18). O orador deve estar consciente de que ele tem que pensar no que vai falar antes de se pronunciar, depois sistematizar seus argumentos para poder persuadir seu auditório. O orador deve preocupar-se com seu auditório.
Cumpre observar, aliás, que querer convencer alguém implica sempre certa modéstia da parte de quem argumenta, o que ele diz não constitui uma “palavra do Evangelho”, ele não dispõe dessa autoridade que faz com que o que diz seja indiscutível e obtém imediatamente a convicção. Ele admite que deve persuadir, pensar nos argumentos que podem influenciar seu interlocutor, preocupar-se com ele, interessar-se por seu estado de espírito (PERELMAN, 2002, p.18).
            Como o orador deve ter apreço pelo seu auditório, ele deve também dar-lhe ouvidos para o que eles dizem, deve mostra-se disposto a escutá-los e a aceitar eventualmente pontos de vista.
            Para que uma argumentação se desenvolva se faz necessário que a quem ela se dirige lhe prestem atenção. Normalmente o orador deve ser capacitado com alguma qualidade para tomar a palavra, sem esta não aconteceria uma argumentação efetiva porque tanto os presentes no auditório lhe dariam a atenção como o próprio orador não conseguiria desenvolver o próprio tema proposto para a argumentação. O assunto dessa argumentação deve estar de acordo com a experiência do orador, ela não deve fugir de sua prática. “(...) o importante, para quem se propõe persuadir efetivamente indivíduos concretos, é que a construção do auditório não seja inadequada à experiência” (PERELMAN, 2002, p.22).
               Perelman afirma que o orador tem que estar consciente do auditório para que vá se dirigir. Nem sempre a pessoa que está na sua frente é seu auditório. Um exemplo do próprio autor: “(...) quem concede uma entrevista a um jornalista considera que seu auditório é constituído mais pelos leitores do jornal do que pela pessoa que está à sua frente” (PERELMAN, 2002, p.21). Percebe-se quão difícil é de o orador determinar qual é seu auditório e como deve se expressar para estes.
            O autor classifica em sua obra, TRATADO DA ARGUMENTAÇÃO: A NOVA RETÓRICA, dois auditórios diferentes. O auditório universal e o auditório particular. O primeiro é composto por vários grupos sociais diferentes, como: médicos, engenheiros, filósofos, teólogos e etc. Já o segundo grupo é composto por um grupo social, por exemplo: os filósofos. Fica a critério do orador se quer ou não dividir o auditório universal em auditórios particulares. Se o orador percebe essa diversidade de grupos sociais no auditório universal e mesmo assim decide não subdividi-lo, é considerado um orador que tem opiniões extremistas, porém se ele é de opinião moderada, dividirá o auditório universal em auditórios particulares. Esse último conseguirá um número maior de pessoas persuadidas. Já o orador com visão extremista, levará um número menor de pessoas persuadidas, mas pelo fato de ter encarado um auditório universal, isso caracteriza a riqueza de conhecimento de um orador, pois este para falar a diversos grupos sociais, deve dominar vários assuntos.
            Perelman faz outras duas diferenças em seu livro. A questão entre persuadir e convencer. O orador que se preocupa em resultado, pensa em persuadir. Agora, para o orador que se preocupa com o caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir. Na argumentação o que o orador pensa ser probatório ou verdadeiro ou ainda verossímil, não importa. O que importa é o que o auditório pensa serem essas coisas. Com isso o orador deverá trabalhar com os dados que o auditório fornecer-lhe sobre o que é probatório ou verdadeiro e isso deverá aparecer o seu discurso, para que os presentes no auditório lhe prestem a atenção e para que lhe possibilitem crédito na argumentação. Perelman deixa bem claro a ideia de que:
O objetivo de toda a argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no memento oportuno (PERELMAN, 2002, p.50).
            Perelman examina a argumentação nos seus efeitos práticos, voltada para o futuro, ela provoca uma ação ou prepara para ela, atuando por meios discursivos sobre o espírito dos ouvintes. Essa forma de examiná-la permitirá compreender várias de suas particularidades. O interesse que apresenta para ela o gênero oratório, os antigos qualificaram de epidíctico.  Aristóteles inclui em seus escritos de retórica, o gênero epidíctico, e este gênero se prende mais a literatura do que a argumentação, pois o orador apresenta um discurso ao qual ninguém se opunha e sobre matérias que não pareciam duvidosas e das quais não se via nenhuma conseqüência prática. Acredita-se que os discursos epidícticos constituem uma parte central da arte de persuadir. No entanto esse gênero será praticado por aqueles que, numa sociedade, defendem os valores tradicionais, os valores aceitos, os que são objetos de educação, e não os valores revolucionários, os valores novos que suscitam polêmicas e controvérsias. No gênero epidíctico, o orador se faz educador. Como vimos anteriormente, o orador tem que ter uma qualificação para tomar a palavra e falar. O mesmo acontece para no gênero epidíctico, o orador também deve ter uma qualificação para não passar por ridículo e ser ignorado.
            Num contexto argumentativo, o orador pode obter a adesão do auditório por dois modos extremamente diferentes. Ele pode apelar pelo recurso da violência ou coerção, impondo uma forma de raciocinar que ele queira. Mas pode também, pelo seu discurso, conquistar a adesão dos espíritos por uma persuasão racional. O recurso à argumentação exclui por completo o uso da coerção.
            Além de Perelman escrever sobre essa questão da nova retórica, o autor faz uma crítica ao positivismo jurídico criado por Hans Kelsen. Assim, entramos em uma nova questão em que Perelman comenta que para questões que envolvam valores, o verdadeiro e o falso, são insuficientes para se afirmar ou julgar algo. Ele defende está ideia, porque é um jurista e pensando especialmente na área do direito, universo no qual ele trava uma sólida discussão com outro jurifilósofo chamado Hans Kelsen. Kelsen era um grande jurista fundador do positivismo jurídico, entre as décadas de 30 e 40, e cujo objetivo era tornar o julgamento algo verdadeiro ou falso; querendo transformar o direito em uma ciência, sem levar em conta os “valores” que Perelman defende. Perelman que é um pós positivista, entre os anos 30 e 40, considera isso impossível de ser feito, pois ele defende a ideia de que não há como sistematizar o julgamento, restringindo-se apenas ao verdadeiro ou ao falso, mas deve-se analisar o acontecimento (fato) desde a periferia do ato até chegar ao ápice da questão.
De fato, o pós positivismo pregava a intimidade das relações entre ética e direito, isso acabou acarretando a um número extenso de normas éticas inseridas em normas jurídicas positivas.


FORMULAÇÃO DO PROBLEMA:

            O problema proposto pela presente pesquisa é tentar descobrir como se dá, na linguagem, e de onde vem a verossimilhança que o orador utiliza para persuadir o auditório; e, qual é o foco do embate entre Perelman e Kelsen, bem como, entender e evidenciar as razões pelas quais ambos acabaram se desentendendo.


ESTADO DA ARTE:

            Em seu artigo “Opções Éticas e Discricionariedade Judicial”, Flávia Moreira Guimarães Pessoa trata da forma como os pais da filosofia já tratavam as questões referentes a justiça e mostra o embate existente entre Aristóteles e Platão desde o tempo da filosofia antiga em relação à questão do direito. “Enquanto Platão sonha com uma sociedade ideal na qual não praticar o bem torna-se uma impossibilidade tal a extensão das instituições que eliminam a vida privada, Aristóteles propõe que  a Lei deve ser capaz de compreender as limitações do ser humano, aproveitar-se das suas paixões e instintos, e produzir instituições que promovam o bem e reprimam o mal. Assim, se para Platão a Lei deve moldar o real, para Aristóteles o real deve moldar a Lei, única forma de seu cumprimento ser possível a todos”.
            A autora trata a respeito do jurifilósofo Hans Kelsen e de seu modo de ver a justiça como algo normativo. “O positivismo, ao identificar a racionalidade com a ciência, relegou a ética ao âmbito da irracionalidade e realizou uma separação radical entre ciência e ética. No que se refere ao âmbito  jurídico, saliente-se que Kelsen, como maior representante do positivismo jurídico,  afirma que direito é direito positivo, pertencendo ao domínio do dever-ser como produto normativo. Kelsen exclui dos domínios da ciência do Direito os estudos sociológicos e psicológicos sobre o direito, assim como as considerações éticas sobre os ideais jurídicos, sendo sua grande preocupação delimitar o objeto da ciência jurídica. Desta forma, segundo o positivismo, não há como entender o julgamento como opção ética.  Ao contrário, os valores e qualquer discussão ética estão excluídos das discussões jurídicas, em especial das judiciais”. Porém essa concepção será refutada pelos pós positivistas que resgatam as relações éticas e reintegram-nas novamente nas discussões judiciais. Perelman foi um desses grandes pós positivistas que refuta a concepção de Kelsen.
O pós positivismo pregava a intimidade nas relações atuais entre Ética e Direito, que conduziu a um número elevado de normas éticas inseridas em normas jurídicas positivas. Princípios éticos foram inseridos no preâmbulo, onde se destacam a liberdade, igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Além das consagrações dos princípios éticos no direito positivo, há um aspecto de fundamental relevância para o entendimento do papel do judiciário diante do paradigma pós-positivista.  Com efeito, um dos grandes dilemas do juiz diante deste novo paradigma é confrontar-se com uma decisão juridicamente correta, ou seja, racionalmente e legalmente justificada, porém, eticamente discutível, ou seja, eivada de vícios éticos. O juiz deve observar a ética no julgamento. Assim, um julgamento ético é aquele que não é meramente formal, mas, ao contrário, é um julgamento que vai atuar positivamente na realidade social.
Em seu artigo “Retórica e Argumentação”, Paulo Serra diz que uma das criações fundamentais do gênio grego foi a retórica, considerada por alguns como “o primeiro testemunho, na tradição ocidental, duma reflexão sobre a linguagem”.
A retórica nasceu na Sicília, no século V a.C. Segundo a lenda, Hiéron, tirano de Siracusa, teria proibido aos seus súditos o uso da fala. Conscientes assim, da importância da mesma, os sicilianos Coráx e Tísia teriam criado a retórica, iniciando deste modo o estudo da linguagem não enquanto “língua”, mas enquanto “discurso”.
A retórica vem a ganhar uma enorme importância na democracia ateniense, em que o saber falar, para persuadir e convencer, se torna essencial: nos tribunais, nas assembléias políticas, nas praças públicas, etc. A retórica aparece como arte da persuasão pela palavra. A retórica vai ter como principais representantes, os sofistas que se intitulam mestres da retórica.
De “técnica de persuasão”, a retórica procura transformar-se, com Aristóteles em “ciência”; isto é, num corpo de conhecimentos, categorias e regras que quem quiser bem falar e convencer deve aplicar no discurso. Segundo Aristóteles a retórica visa descobrir os meios que, relativamente a qualquer argumento, podem levar a persuasão de um determinado auditório. O seu objetivo é o “verossímil” ou o “provável”, tendo uma natureza dialética, distinguindo-se da demonstração ou analítica, que trata do “necessário” ou “verdadeiro”.
A partir do século XVI, deu-se o declínio da retórica. Ela vai, aos poucos, desaparecendo, perdendo influência e reduzindo o seu campo (século XIX marca o seu desaparecimento). Porém na atualidade o autor Perelman empenhou-se em resgatar a retórica antiga, inserindo-a no quadro de uma teoria da argumentação.
Segundo Perelman a teoria da argumentação, concebida como uma nova retórica abrange todo campo discursivo que visa convencer ou persuadir, seja qual for o auditório a que se dirija e a matéria a que se refira. Nessa concepção da argumentação, aparece como central a noção de auditório, definido por Perelman como: “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar mediante o discurso”. Segundo Perelman, qualquer argumentação implica em inserir-se em um determinado contexto e dirigir-se a um auditório determinado. O orador pelo seu discurso visa exercer uma ação de persuasão ou convicção sobre o auditório. Argumentar implica em pressupor que tanto é possível defender uma tese como a sua contrária.
Em seu livro “FILOSOFIA DO DIREITO”, Arthur Kaufmann diz: “(...) O que decide o que é “correto” é o consenso a que se chega numa “comunidade de comunicação ideal” (Apel), numa “situação ideal de discurso” (Habermas) ou num “auditório universal” (Perelman). Uma norma (uma regra, um modelo de comportamento, etc.) é, portanto universalizável quando todos possam concordar com ela – não se devendo pensar ilusoriamente que o consenso de todos ou mesmo apenas de todos os seres razoáveis, seja o bastante (quem decide, segundo que regras, quem é “Razoável”?). Nunca existe e nunca existirá a “situação ideal de discurso”, a “comunidade de comunicação ideal” ou o “auditório universal”. Tudo isto apenas acontece nas operações mentais dos éticos do discurso. Este processo metal, que é tão fictício como é fictícia a teoria do contrato social, é puramente formal, sem conteúdo; como salienta Habermas, nada de “exterior” deve intervir no discurso. A fundamentação formal de juízos morais e jurídicos corretos deve ser sobretudo garantida pela observância da racionalidade formal (e relaciona-se com isto que a ética do discurso contraponha a teoria da verdade como correspondência à teoria da verdade como consenso). Através do formalismo da ética do discurso evitar-se-ia a falácia naturalista. O receio do círculo é o que impede os éticos do discurso mas também os construtivistas de chegar às “coisas”. O princípio de universalização resulta da repetibilidade, ou seja: os casos semelhantes surgidos devem manifestar  a sua tipicidade, o juiz deve tornar-se numa pessoa fungível; este último é uma ficção que a hermenêutica há muito desmascarou, não se podendo sequer dizer que seja uma ficção razoável”  (KAUFMANN, 2004, p.413/414).
“Um problema central, mas também de extraordinária dificuldade, para a teoria da argumentação (bem como para outras teorias, como sejam a teoria do contrato, a teoria do discurso e, principalmente, a ética), é a questão do peso relativo dos argumentos. Há argumentos fortes e fracos, “argumentos ganhadores e perdedores” ” (KAUFMANN,2004, p.71).

FORMULAÇÃO DA PROPOSTA DE RESOLUÇÃO:

            Poderemos avançar, a partir do artigo de Flávia, na questão do embate positivista e pós positivista entre Kelsen e Perelman, porém não é possível avançar com relação à verossimilhança na argumentação.
Essa discussão é muito marcante para a filosofia do direito. Muitos princípios éticos foram inseridos na filosofia do direito por essas discussões feitas por Perelman a respeito da filosofia de Kelsen. Cremos que o pensamento perelmaniano tenha sido realmente proveitoso para a filosofia do direito, pois imaginemos a situação: “um pai que é obrigado a roubar uma casa, não em busca de jóias ou dinheiro para depois vender e trocar por droga, mas em busca de alimentos para não ver os filhos morrerem de fome” (alguém que faz esse ato, é condenado pelas leis que regem a filosofia jurídica). Será que seria justo condenar uma pessoa a trinta anos de prisão por ter roubado alguns quilos de comida para matar a fome dos filhos indefesos? Levando-se em conta o fato ocorrido e refletindo-o, percebemos que num julgamento, a ética norteia muitas coisas.
Segundo Kelsen se ele roubou deveria pagar a pena cruelmente sem considerações e independentemente do porque da situação. Porém segundo Perelman o juiz deveria julgar o réu pelo ato errado de ter roubado, mas também deveria ver que ele fez isso para não ver sua família morrer de fome. De certa forma ele teve uma atitude ética. Por isto este trabalho tende a defender as idéias de Perelman que foi um grande jurifilósofo que introduziu a ética nos julgamentos.
Avançando no artigo de Paulo Serra deparamo-nos com a questão da verossimilhança, que tanto Aristóteles com Perelman trabalham no auditório. Porém sobre o a discussão entre Kelsen e Perelman nada podemos acrescentar.
Segundo Aristóteles a retórica visa descobrir os meios que, relativamente a qualquer argumento, podem levar a persuasão de um determinado auditório, o seu objetivo é o “verossímil” ou o “provável”, tendo uma natureza dialética.
Segundo Perelman a teoria da argumentação é concebida como uma nova retórica que abrange todo campo discursivo e que visa convencer ou persuadir não por fatos verdadeiros ou necessários, mas pelo verossímil, seja qual for o auditório a que se dirija e a matéria a que se refira.
É neste âmbito que Perelman trabalha a questão da verossimilhança. Cremos que ela venha do auditório, no qual a relação da linguagem com a verossimilhança que o orador tem que expressar, ocasionando o efeito de verossimilhança no auditório e a conseqüente aceitação dele mesmo, é obra do auditório. De fato Perelman afirma: “o importante, na argumentação, não é saber o que o próprio orador considera correto ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem se dirige” (PERELMAN, 2002, p.26/27). Logo a verossimilhança que o orador terá em sua argumentação lingüística virá do auditório, pois o orador tende a persuadir o auditório com aquilo que o próprio auditório pensa, uma vez que há uma contínua adaptação entre o orador e seu auditório. Essa adaptação é uma parte da assimilação daquilo que o auditório acredita ser verossímil. Por meio dessa adaptação, o orador conquista a credibilidade para argumentar e assim ganha a atenção, a adesão e a participação intelectual da comunidade dos espíritos (auditório), sem as quais não há argumentação.
No livro de Arthur Kaufmann encontramos muito bem tratada a questão do auditório e estritamente a questão da verossimilhança, mas nada que trate diretamente o embate entre Perelman e Kelsen. Kaufmann diz que não se deve levar em conta o que o auditório pensa. Na verdade ele defende que a ideia de “auditório universal” nunca existiu e que o discurso deve percorrer o caminho certo, sem desvios da verdade para o verossímil; ou como salienta Habermas, nada de “exterior” deve intervir no discurso
 Uma dificuldade para a teoria da argumentação é o peso dos vários argumentos. Há argumentos fortes que podem levar à persuasão, bem como argumentos fracos que podem levar o auditório a excluir o orador da argumentação.
Cremos que Kaufmann é muito radial quando afirma que o orador não deve sofrer influências pelo meio onde está. Já vimos, com Perelman, que se o orador não estiver em sintonia com o seu auditório, não conseguirá a sua adesão e muito menos a persuasão. Kaufmann, por essas palavras, faz uma crítica a todos os filósofos que defendem essa forma de pensar. No entanto, Perelman continua tendo razão no que fala. Perelman estuda qual o uso da linguagem mais apropriada para persuadir o auditório e chega ao conceito já conhecido por Aristóteles que era e é o verossímil e não há como escapar disso. Onde, por meio da verossimilhança, o auditório inicial nunca será o mesmo no final, por que sofrerá influências do orador em seu discurso. “(...) existe um condicionamento através do próprio discurso; de sorte que o auditório já não é, no final o discurso, exatamente o mesmo do início. Este último condicionamento só pode ser realizado pela adaptação contínua do orador ao auditório” (PERELMAN, 2002, p.26).


METODOLOGIA:

            O projeto apresentado é de natureza teórica, e, por esse fator sua metodologia será dada pela leitura dos textos originais de Perelman, de comentadores e textos que tratem a questão do uso da verossimilhança na linguagem para o auditório. Ainda far-se-á inicialmente, um mapeamento da bibliografia já adquirida e daquelas que estamos buscando, para executar com êxito o projeto.


RESULTADOS TÉCNICOS:

Um artigo, uma apresentação em evento e um vídeo.

CRONOGRAMA:

- Junho de 2011: Elaboração inicial de um projeto;
- Julho de 2011: Dar procedência da leitura do livro “TRATADO DA ARGUMENTAÇÃO”;
- Agosto de 2011: Elaboração de um esboço das considerações parciais a respeito do problema de pesquisa;
- Setembro de 2011: elaboração de um esboço das considerações parciais a respeito do problema de pesquisa;
- Outubro de 2011: Apresentação dos resultados parciais da pesquisa e discussão com o professor;
- Novembro de 2011: entrega de um artigo ao professor com possibilidade de publicação;


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

·         PERELMAN Chaïm. Tratado Da Argumentação. São Paulo: Martins fontes, 2002.
·         BITTAR, Eduardo C.B. Curso de filosofia aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. São Paulo: Manole, 2003.
·         OS PENSADORES. Tópicos. São Paulo: Abril Cultura, 1973.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
·         Moreira Guimarães Pessoa, Flávia. Opções Éticas e Discricionariedade Judicial.
·         Serra, Paula. Retórica e Argumentação. Universidade da Beira Interior, 1995/96.
·         Kaufmann, Arthur. Filosofia Do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.